Uma amiga entrou em contato comigo um tempo atrás e me fez essa pergunta:
"Minha filha quer ser bailarina clássica. Fiz a matrícula em uma escola de dança. Você acredita, Aniete, que ela é a única menina negra inscrita nessa modalidade? Como posso ajudá-la na ausência de representatividade?"
Tenho uma opinião bem formada sobre essa questão étnico-racial no Brasil. Infelizmente, o racismo se camufla por meio de outras denominações, mas é bem nítida a ausência de bailarinas negras nos altos postos de dança das companhias. O racismo é estrutural e criou raízes nas entranhas da sociedade.
Um exemplo que já presenciei, inclusive na cidade onde resido: A professora de ballet é sorridente para todas as alunas, mas jamais dá oportunidade de um papel principal para uma aluna negra, escolhendo uma aluna não negra, mesmo que ambas estejam em iguais condições artísticas.
Mas, como eu poderia ajudar e orientar uma amiga na construção da autoestima de uma menina negra com 10 anos de idade? Sempre enxerguei a educação, a literatura e o conhecimento como fortes aliadas nessa luta racial.
Crianças de 10 anos de idade nessa era tecnológica em que vivemos são totalmente diferentes de crianças de 10 anos de outras décadas. Sugiro que ela use o celular como ferramenta inclusiva e didática nos momentos em família. O celular, para a maioria das famílias, tornou-se um membro da família, o parente tecnológico, presente em nosso dia a dia, em refeições, no sofá da sala. Sendo assim, que seja inserido de forma inteligente.
Sugiro uma viagem afrofuturista no tempo, com um simples toque na tela do celular. Para que assim, não só a filha da minha amiga e muitas outras crianças negras conheçam a história de algumas bailarinas negras importantes no mundo. É muito importante conhecer, valorizar, expor e apresentar essas mulheres negras que construíram o caminho do balé clássico no mundo. Isso é a prática da representatividade. Só assim criamos a ideia de projeção nos espaços e replicamos a narrativa do: "Sim, eu posso - e sempre vou me lembrar disso."
No Brasil, também podemos citar grandes nomes como:
Mercedes Baptista, foi a primeira bailarina negra brasileira a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, 1948.
Consuelo Rios, uma das melhores professoras de balé clássico que o país já teve.
E na atualidade do balé contemporâneo, não podemos deixar de falar de Ingrid Silva, bailarina clássica brasileira que faz sucesso no cenário americano, protagonizando a cena do balé e sendo referência para muitas meninas negras, de origem humilde e encantadas com essa arte, que ainda exclui muitas das nossas crianças, por inúmeras problemáticas, como o acesso a uma boa educação de qualidade, proporcionando arte, cultura, lazer, literatura, empoderamento infantil, boa alimentação, uma rede de apoio familiar e psicológica, um distanciamento social e histórico que se arrasta por muitos séculos.
Querido amigo leitor, não quero ser rotulada como uma colunista com uma pauta única, mas a luta étnico-racial ferve em minhas veias. Passa um filme na minha cabeça como tive que ser resiliente e resistente para chegar até aqui. Antes de ser escritora, sou humana e mãe, e sigo na luta para que nossas crianças negras não percam o brilho no olhar e mantenham viva uma esperança onde possamos estar, ocupar e ser pertencente em todos os espaços. Essa responsabilidade da conscientização racial é compromisso dos pais e toda uma sociedade.
Como diz o meu grande amigo, inspiração de vida e poeta afro-literário Carlos de Assumpção, em seus 96 anos de idade:
"O racismo é ruim para todo mundo, não só para o negro, para o branco também."
Toda a educação que não passa pelo coração não atinge ninguém!
Que sejamos todos antirracistas.
ALFORRIA.