Segunda, 20 de Janeiro de 2025
Cultura COLUNA

Sim, é possível fortalecer nossos filhos ressignificando nossas palavras

Leia na coluna de Aniete Abreu: Como desconstruir expressões racistas e fortalecer laços para uma educação antirracista na infância dos nossos filhos

07/03/2024 às 08h00 Atualizada em 02/05/2024 às 09h39
Por: Aniete Abreu Fonte: Aniete Abreu
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Nosso idioma foi construído sob forte influência de um período monstruoso da história, a escravização, e [as palavras] seguem sendo usadas até hoje, de forma inconsciente ou intencional. Imagem: Helem Salomão / Blogueiras Negras
Nosso idioma foi construído sob forte influência de um período monstruoso da história, a escravização, e [as palavras] seguem sendo usadas até hoje, de forma inconsciente ou intencional. Imagem: Helem Salomão / Blogueiras Negras

Em tempos tecnológicos, conectamos nosso piloto automático interior e assim vivemos.

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Não estou aqui para julgar ou condenar a forma como as pessoas criam os seus filhos. Mas se quisermos dialogar com a diversidade e respeitar as diferenças, sejam elas quais forem - diferenças de gêneros, religião ou raça -, esse movimento se inicia em nosso lar, nos posicionando e nos desconstruindo.

Não! Isso não é uma tarefa fácil.

Imagina um grande formigueiro; queridos leitores, aparentemente nossos olhos não visualizam todo o trabalho das formigas abaixo do solo, mas acreditem, eles estão trabalhando. É assim que devemos ser e agir em família, uma grande equipe, aprendendo e alinhando nossa fala, escrita e atitude.

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Sempre acreditei que é possível potencializar as crianças através de uma narrativa libertadora, apresentando às nossas pequenas questões raciais e seus problemas desde a primeira infância.

A partir dos 3 anos de idade, as crianças já conseguem construir sua subjetividade compreendendo que, no mundo, as pessoas não negras mandam, enquanto as pessoas negras obedecem. Sim, não se trata de vitimismo, mas o mundo tem uma ótica eurocêntrica ainda, tudo gira em torno de privilégios e protagonismo não negro.

Todos os projetos sócio-culturais que ministram oficinas ou em espaços pedagógicos sempre me separam da reprodução de graus profundos de colonialidade. Colonialidade do poder, do saber e do ser.

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Não vou me aprofundar muito nessa questão e deixo aqui uma sugestão de leitura que aborda essa pauta, o livro da Dra. Bárbara Carine, a obra Como Ser um Educador Antirracista - Editora Planeta.

Sabe aquelas frases que falamos nas rodas de amigos, em trocas de mensagens no celular e no contexto familiar, com os nossos filhos, e que conversamos sem nem pensar? Pode parecer bobagem, mas não é! Ressignificar nosso vocabulário e conhecer a origem de muitas expressões é um ato gigante e potente, de grande importância no enfrentamento ao racismo de cada dia.

Nosso idioma foi construído sob forte influência de um período monstruoso da história, a escravização, e [as palavras] seguem sendo usadas até hoje, de forma inconsciente ou intencional. Precisamos compensar o uso de palavras e expressões que são frutos de uma construção racista.

Utilizei muito dessa metodologia aqui em casa, com o meu filho Xavier, um jovem negro autista atualmente com 19 anos. Xavier é consciente de suas raízes e com a força de suas palavras. Não tenho receituário; mas com minha família trabalhada.

O conhecimento é libertador!

Não dá para continuar falando que fulana tem "um pé na cozinha" depois de saber que essa expressão é uma infeliz gravação da escravidão no Brasil, época em que o único lugar permitido às mulheres negras era a cozinha da casa grande.

O racismo se revela de diversas formas em nossa sociedade, estas microagressões, além de reproduzir um discurso racista, ao identificarem a negritude como marcador de inferioridade social, afetando o bem-estar de pessoas negras.

Amigo leitor: sabemos que algumas expressões podem até não ter origem racista, mas os usos e ressignificações podem ser usados com finalidade racista.

COLOQUE EM PRÁTICA AÇÕES AFIRMATIVAS AINDA HOJE!

Transformar o ambiente criando uma atmosfera igualitária, começando pelos detalhes. Seja sábio, controle a sua língua.

Apresento aos leitores algumas expressões para serem arquivos de vocabulário:

  • A coisa tá preta!
    Uma fala racista reflete uma associação entre o preto e uma situação desconfortável, perturbadora, perigosa e negativa.

    Desconstruindo sua fala:
    A situação está complicada ou difícil.
  • A dar com pau!
    Expressão originada em navios negreiros.
    Muitos dos capturados prefeririam morrer e serem escravizados e fizeram greve de fome na travessia entre o continente africano e o Brasil. Para obrigá-los a se alimentar, um "pau de comer" foi criado para jogar angu, sopa e outras comidas pela boca.

    Desconstruindo sua fala:
    Bastante, muito.

  • Amanhã é dia de branco!
    A palavra branco é usada para se referir a dia de trabalho, responsabilidade, compromisso.
    Isso porque, antigamente, o trabalho dos escravizados não era considerado trabalho e essa ideia perpetua até hoje.
    Desconstruindo sua fala: Amanhã é dia de trabalho.

  • Até tenho amigos que são negros!
    Frase geralmente utilizada como forma de defesa, quando se aponta atitude ou fala racista.

    Alternativa:

    Vamos compensar nosso comportamento?

  • Cabelo duro ou bombril
    Trata-se de uma expressão utilizada para se referir a cabelos crespos. Apesar de depreciativo, o termo é usado até hoje, um exemplo do que aconteceu com a famosa marca de esponja de aço - Bombril - que relançou seu produto com o nome "krespinhas", mostrando que a esponja de aço se parecia com os cabelos crespos.

    Desconstrua sua fala:
    Apenas cabelo crespo, não tenha medo de falar, existem texturas de cabelos diferentes e os crespos são uma delas.

  • Cabelo ruim!
    Mais uma vez o que é considerado ruim ou inferior está associado a características negras.
    Não existe cabelo ruim, ruim é o preconceito e o racismo.

  • Cor de pele!
    Termo que designa a cor de lápis ou giz de cera bege ou rosado, associado a pessoas não negras, e que desconsidera a pluralidade de tonalidades de pele de todas as pessoas, principalmente em um país como o Brasil em que a maioria da população se declara preta e parda.

  • Denegrir!
    Possui na raiz o significado de "tornar negro", reforçando mais uma vez o ser negro como negativo, ofensivo.

    Desconstruindo sua fala:
    Difamar ou caluniar.

  • Doméstica!
    A palavra derivada do termo domesticado, remetendo a algo que se tornou amansado ou domesticado. Carrega acompanha a trajetória de mulheres negras e escravizadas que foram domesticadas através de torturas para trabalhar nos casarões.

    Desconstruindo sua fala:
    Funcionária ou faxineira ou auxiliar do lar.

  • Índio!
    Não devemos usar o termo "índio" devido à ideia caricata que foi criada de selvageria pelos colonizadores, mas também por ignorar a pluralidade dos povos indígenas, suas nações, traços culturais, costumes e crenças.

    Desconstruindo sua fala:
    Povos originários ou indígenas.

Querido leitor, deixo aqui uma sugestão de leitura para que possa navegar nas águas profundas e conhecer muitas outras expressões que não agregam em nada em nosso vocabulário e em nosso cotidiano. São nas pequenas ações diárias que juntos fortalecemos os laços por uma educação antirracista: (Dicionário de Expressões (Anti) Racista, idealizado pela Defensoria Pública da Bahia, lançado pela Editorial EDESP)

ALFORRIA!

Texto escrito pela colunista Aniete Abreu - Educação Antirracista na infância

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Coluna de Aniete Abreu
Sobre Aniete Abreu, educadora e autora paulistana de 49 anos, reside em Tietê há 16 anos. Com formação no Magistério, destaca-se na Educação Básica, especialmente na Educação Infantil. Contadora de histórias, artesã e escritora do livro "Abayomi: A Menina de Trança", Aniete é mãe de Xavier, um adolescente negro com Síndrome de Asperger. Agora, como colunista do Portal Primeira Educação, traz sua paixão e experiência para abordar temas cruciais da educação antirracista. Siga no Instagram: @abre.u690
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