Percebi que meu filho mais novo, com cerca de dois anos de idade, começou a apresentar comportamentos diferentes. Nas fotos, ele sempre parecia emburrado, nos almoços em família recusava-se a brincar ou comer, e muitas vezes não conseguíamos entender exatamente o motivo dessa mudança de humor tão repentina. Aos três anos, era comum ser chamada quase diariamente na escola, pois ele agredia uma coleguinha e não obedecia à professora. Em uma das reuniões, a professora chegou a sugerir que eu deveria "exorcizar" meu filho.
Para uma mãe que trabalha com educação especial e inclusão, é extremamente desafiador não compreender o que está acontecendo com seu filho, e a primeira reação é, muitas vezes, se culpar. Eu me questionava: o que estou fazendo de errado? Será que tenho trabalhado demais? Não sou agressiva em casa, então o que pode estar acontecendo?
Foram muitas conversas, tentativas de diálogos lúdicos, castigos, como privá-lo de fazer as coisas que gostava, o que na prática não surtia efeito. As broncas pareciam apenas piorar a situação.
Com o convite para que meu filho se retirasse da primeira escola, dei início a uma intensa jornada de pesquisa sobre seus comportamentos. Como mãe, eu me via constantemente questionando: "Quando bebê, ele alcançou todos os marcos de desenvolvimento normalmente, fez contato visual e demonstrou ser uma criança afetiva e inteligente. Então, o que está acontecendo? Por que tantos rompantes agressivos? Por que ele tem dificuldade em brincar com outras crianças do condomínio?"
Uma das questões que mais me intrigavam era a discrepância entre suas habilidades sociais e suas dificuldades em interagir com seus colegas. Embora ele demonstrasse afeto e inteligência em casa, parecia encontrar barreiras na escola e no convívio com outras crianças. Essa desconexão entre o que eu observava em casa e o que era relatado pela escola era desconcertante e me impulsionava a buscar respostas. Além disso, os rompantes agressivos de meu filho também demandavam uma compreensão mais profunda. Eu me via confrontada com a complexidade de lidar com suas explosões emocionais, buscando maneiras de ajudá-lo a expressar suas frustrações de forma mais construtiva.
Eu ansiava por vê-lo interagir e compartilhar momentos de diversão com outras crianças, sem acabar em brigas e choro, mas parecia que ele enfrentava obstáculos nesse aspecto. Essa ausência de conexões sociais fora do ambiente familiar destacava a importância de proporcionar oportunidades de socialização e inclusão em diferentes contextos.
Durante um dos momentos mais difíceis da minha vida, quando eu estava lutando contra o câncer e passando por sessões de quimioterapia, recebi uma notícia devastadora: meu filho foi convidado a se retirar da segunda escola, por conta de seu jeito "esquentadinho de ser" e então ele desafiava a professora e agredia verbal e fisicamente vários coleguinhas . Esse acontecimento não apenas abalou a autoestima dele, mas também a minha. Como mãe, me senti impotente e frustrada diante da situação. No entanto, em meio à adversidade, percebi que precisava agir e buscar soluções mais efetivas.
Foi então, quando meu filho completou cinco anos de idade, que finalmente encontrei uma psicóloga competente e uma escola acolhedora. Realizamos uma avaliação neuropsicológica, e os resultados confirmaram o diagnóstico que já suspeitávamos: Transtorno Opositor-Desafiador (TOD) e Transtorno do Déficit de Atenção (TDA).
Essa descoberta foi um ponto de virada em nossas vidas. A partir desse momento, começamos a entender melhor as necessidades do meu filho, pois mesmo sendo eu educadora, no papel de mãe meus sentimentos e ações eram emocionais e este diagnóstico nos fez buscar formas de apoiá-lo da melhor maneira possível. Foi um processo longo e desafiador.
Felizmente, encontramos apoio e compreensão na psicóloga que nos acompanhou nesse processo. Com suas orientações e estratégias, aprendemos a lidar com os desafios comportamentais e emocionais enfrentados por meu filho. Além disso, a escola foi acolhedora, proporcionou um ambiente inclusivo e empático, onde meu filho pôde se sentir seguro e valorizado. Recorremos ao apoio de um psiquiatra infantil embora eu sempre ter sido contra medicação, entendi que naquele momento ele precisava passar por este processo medicamentoso o que, de fato, melhorou muito a agressividade, com apenas 0,25 de uma dose realmente pequena para o caso dele. Atualmente, ele tem quinze anos, um adolescente estudioso, amoroso, campeão de xadrez nacional e agora está se preparando para competições internacionais.
Sim, é possível ajudar uma criança com TOD, é possível esta criança ter sucesso. Como mãe e educadora, gostaria de compartilhar minha experiência e oferecer algumas dicas pedagógicas para pais e professores que enfrentam situações semelhantes, por isto escrevi um livro infantil até para auxiliar os próprios colegas da sala de aula a identificarem e lidarem com seus amiguinhos considerados os mais difíceis da sala.
A pouca informação sobre transtornos escolares por parte de familiares e profissionais da educação pode fazer com que as crianças que possuem estes diagnósticos sejam mal compreendidas, vistas como indisciplinadas, desobedientes, agressivas, sem limites, rebeldes, preguiçosas, ou até consideradas com déficits cognitivos. Por outro lado, se conhecido o transtorno/ dificuldade e adequadamente acompanhado na sua especificidade, respeitando a singularidade e história de vida do educando, que possui as características ou a confirmação de um diagnóstico, será possível auxiliá-los a levar uma vida com melhor qualidade e mais alegre, principalmente se considerarmos os contextos sociais e educativos.
O Transtorno Opositor Desafiador ( TOD) é caracterizado por um padrão persistente de comportamento , desafiador, desobediente e hostil em relação à figuras de autoridade. As crianças com TOD tendem a ser teimosas, argumentativas e propensas a explosões de raiva.
Esses comportamentos ocorrem com mais frequência em relação aos adultos ou autoridades, podendo também ser visível nas interações sociais com outras crianças da escola, do bairro ou do ambiente onde se inserem. No entanto, é importante distinguir entre birra, que é um comportamento comum na infância, e o TOD, que é mais grave e persistente. A avaliação neuropsicológica realizadas por psicólogos é essencial para diagnosticar transtornos como TOD, TEA, TDAH, TDA, entre outros
Enquanto a birra é um comportamento comum na infância e geralmente ocorre em resposta a frustrações ou necessidades não atendidas, o TOD envolve um padrão persistente de comportamento desafiador e desobediente, que vai além do que é considerado normal para a idade da criança. As explosões de raiva de uma criança com TOD são frequentemente desproporcionais à situação e podem ocorrer com frequência.
O tratamento desta condição é multidisciplinar e compõe três abordagens básicas, sendo elas: terapêuticas comportamentais, medicamentosas e escolares, e deve incluir:
A escola desempenha um papel fundamental no apoio às crianças com TOD, mas, muitas vezes, enfrentam desafios devido à falta de compreensão e sensibilidade por parte dos professores. É essencial que educadores estejam cientes das características do TOD e sejam capazes de diferenciar entre comportamento desafiador e simples indisciplina.
Vale lembrar que cada caso é único e a empatia do educador faz toda a diferença para a melhor atuação em sala de aula.
É importante notar que, muitas vezes, o TOD está associado ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). As crianças com ambos os transtornos podem apresentar desafios adicionais devido à impulsividade e falta de atenção. Portanto, abordagens integradas que levem em consideração ambas as condições são essenciais para fornecer o suporte adequado.
Enfrentar o Transtorno Opositor Desafiador na primeira infância pode ser uma jornada desafiadora, mas, com compreensão, empatia e apoio adequado, podemos ajudar essas crianças a alcançar seu pleno potencial. Destaco a importância de se criar ambientes escolares inclusivos e acolhedores, onde todas as crianças, independentemente de seus desafios, possam desenvolver ao máximo suas potencialidades.
LEIA MAIS SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO NA COLUNA DE KEYLA FERRARI, AQUI NESTE LINK.